O papel do STF no combate às fake news


A publicação das fake news, boatos ou notícias falsas e com conteúdo distorcido que se espalham facilmente pela internet, já figuram como um dos maiores e mais complexos da sociedade da informação e é papel das instituições coibir essa prática que interfere decisivamente no cotidiano da sociedade. E o enfrentamento dessa problemática passa, é claro, pelo campo do Direito.

A Constituição Federal (CF) é absoluta quando proíbe a censura em seus artigos 5º, IV, IX e XVI, como também no artigo 220. A liberdade de expressão, tão fundamentalmente protegida pela CF, no entanto, não é um direito absoluto pelo simples fato de que, na vida em sociedade, não existem direitos absolutos.

É aí que começa a se entender a razão de existir do Direito. A própria CF estabelece alguns limites à liberdade de expressão, sendo eles: vedação do anonimato, direito de resposta, restrições à propaganda de cigarros, bebidas alcoólicas, terapias e agrotóxicos, classificação indicativa e o respeito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.

Nesse contexto, as fake news representam uma ameaça ao que se conhece como jornalismo, por uma série de fatores que atuam conjugados na forma de confecção e propagação desse tipo de material, pois, com a internet, esses materiais podem ser facilmente disseminados como jamais antes na história e, em muitos casos, a fonte original dificilmente pode ser rastreada, dada a natureza anônima da rede, em que materiais se espalham como fagulhas num rastro de pólvora sem que se consiga determinar onde o evento se iniciou.

O Direito ainda não tem ferramentas para lidar especificamente com as fake news – que são entendidas por alguns especialistas como algo distinto do simples boato por seu caráter altamente vinculado à internet e à intencionalidade com a qual esse tipo de material é produzido e disseminado. A censura no Brasil, por sua vez, é proibida. Como sanar essas duas posições aparentemente conflitantes?

A liberdade de expressão, assim como os direitos à imagem, honra e privacidade, têm parâmetro constitucional em que nenhuma prevalece sobre a outra e, em caso de conflitos, apenas a ponderação e o estudo de cada caso pode determinar.

Para a análise de conflitos entre a liberdade de expressão e os direitos de personalidade, o ministro Roberto Barroso defende que se aplique, entre outros, o critério da veracidade dos fatos.

Esse critério estabelece que as notícias veiculadas precisam, sem qualquer exceção ou condição, ser verdadeiras, afinal, apenas obtém proteção constitucional, a informação que é verdadeira. Apesar de a liberdade de expressão ser um direito fundamental e constitucional, ele não se sobrepõe ao fato de que a veiculação de notícias falsas não constitui um direito do emissor.

Quem divulga informações sobre outrém se compromete com a correção e boa fé na apuração dos fatos aos quais dará publicidade. Havendo clara negligência na observação dessa condição, fica caracterizada a responsabilidade do emissor e suas implicações penais.

É aí que entra a ação do Supremo Tribunal Federal (STF). A Suprema Corte brasileira não costuma aceitar reclamações colocadas contra decisões que teriam desrespeitado seus acórdãos. Essa postura faz parte da linha da jurisprudência defensiva, que restringe recursos e ações autônomas com o objetivo de reduzir o número de processos que chegam aos tribunais.

Nos casos que envolvem a liberdade de expressão ou de imprensa, no entanto, essa excepcionalidade do STF tem sido excepcionada, pois a corte máxima tem tem admitido reclamações.

Segundo o Ministro Barroso, isso se justifica porque “a liberdade de expressão ainda não se tornou uma ideia suficientemente enraizada na cultura do Poder Judiciário de uma maneira geral. Não sem sobressalto, assiste-se à rotineira providência de juízes e tribunais no sentido de proibirem ou suspenderem a divulgação de notícias e opiniões, num “ativismo antiliberal” que precisa ser contido”.

Isso pode colocar o STF no centro das discussões relacionadas às fake news, sobretudo no período eleitoral que se aproxima no Brasil, onde há a expectativa de que seja feito o uso dessa ferramenta, a exemplo do que já aconteceu na última eleição presidencial dos Estados Unidos, para sugestionar eleitores, destruir reputações de adversários ou, em suma, interferir de forma antiética no processo eleitoral.

Retificação, direito de resposta ou reparação civil são suficientes para dar o retorno legal justo a ações que se caracterizam como fake news? Esse entendimento, que ainda está na sala de parto, devido às constantes mudanças do mundo conectado, precisa ser pensado pelo Judiciário brasileiro.